O barquinho vai...
Sereno, o barquinho singra as água
azuis da Baía de Guanabara, onde a brisa é cálida, o sol mais
brilhante; onde o paraíso bíblico parece ter sido reeditado em seu
aspecto natural – pelo menos antes da queda do homem, com sua poluição
que conspurca, sua violência que mata, sua miséria que assusta e
envergonha.
O barquinho de minh’alma vai. Navega
por um Rio encantador. Das boates, onde a gente enfumaçava os pulmões
depois de oxigená-los nas praias; onde se ouvia Dolores, Dick, Leny,
Angela, Elizeth, Miltinho – sons bem-vindos pras dores de cotovelo...
Do Beco das Garrafas, onde tudo começou e não se sabia que ia chegar tão
longe, com a bossa-nova ganhando mundo até chegar a Tom com Sinatra.
O barquinho vai. E passa ao longo das
praias, onde as garotas de Ipanema de agora relembram a de outrora – moças
de corpo dourado que nos fazem buscar a libido antiga, também lembrando
a sensualidade de uma Leila Diniz, de todas as mulheres do mundo.
O barquinho de nossa imaginação vai. E
ancoramos, para andar pelas ruas e praças do Rio amado. Entrando pela
Praça Mauá, o edifício de A Noite nos atrai. Lá está, na lembrança,
a glória da Rádio Nacional, com seus programas de auditório – César
de Alencar, Manoel Barcelos, Paulo Gracindo –, a fabricada rivalidade
entre as rainhas do rádio, Emilinha e Marlene. Com as novelas, que
levavam Brasil a dentro os suspiros e os beijos feitos pelos sonoplastas
para “mocinhas” como Dayse Lúcidi e galãs como Roberto Faissal, rádio-atrizes
e rádio-atores, perfeitos sempre, porque completados com a imaginação
onde só se tinha a voz.
A Presidente Vargas se abre a nossa
passagem, porque ainda ecoam em nossos ouvidos os desfiles que ali havia
antes do Sambódromo, quando os sambas-enredo ainda não eram marchas...
A Rio Branco deste nosso passeio imaginário
ainda tem árvores e prédios centenários, que cederão seu espaço para
espigões modernosos.
E lá vem o bonde apinhado. Viajando no
estribo, com os lotações passando rente, podemos saltar no Largo de São
Francisco, diante da antiga Politécnica. Ou podemos ir até ao Tabuleiro
da Baiana, bem pertinho da Galeria Cruzeiro, onde Noel, Chico Alves,
Aracy de Almeida, Pixinguinha, Silvio Caldas, Ary Barroso, Lamartine Babo
e tantos outros tecem a rede de belas canções que ficarão para sempre
em nossos ouvidos por gerações e gerações.
Num passeio mágico é assim: podemos
voltar ao nosso barquinho, que vai... vai... e chega a Copacabana, ainda
Princesinha do Mar, onde o luxo do Copacabana Palace recebe beldades como
Ava Gardner, que caem nos braços de charmosos play-boys, como Jorginho
Guinle.
Podemos saltar na Urca, onde o Cassino
fervilha. Até Carmem Miranda está ali, com seus balangandãs e o Bando
da Lua, antes de se tornar uma pequena notável universal...
Num salto no tempo e no espaço, podemos
fazer uma pausa para uma cerveja na Taberna da Glória ou para um bife no
Lamas.
O barquinho vai... E chegamos a Ipanema
de sol, mar, charme do Rio, que ainda não é a “Ipaniimaa” dos
turistas encantados.
Ah, quando a tarde cai, é hora de um
chope num bar do Leblon, talvez o bairro mais cosmopolita e
intectualizado do Brasil.
Em muitos lugares deste nosso passeio
podemos olhar para cima e ver as favelas – pobreza de barracos
iluminados pelo sol nas encostas – que então eram apenas o berço de
maravilhosos sambas-de-raiz.
O barquinho vai... vai... vai... Há
muito que passear pelo Rio, fazendo viver e reviver esta nossa eterna
alma carioca.
|