Aos amigos Paulo Afonso e
Oswaldo Francisco de Luca:
Ambos muito felizes quando retrataram o nosso "amor"
chamado Grajaú. Apenas gostaria de ilustrar que nasci na Rua
Barão de Mesquita, no trecho entre Marechal Jofre e a Pracinha
Malvino Reis, hoje Rua José do Patrocínio, numa casa de altos
e baixos, que o progresso não perdoou, transformou-a em edifício.
Logo após ter nascido, minha família mudou-se para o 136 da
Avenida Júlio Furtado, onde vivi até os meus doze anos.
Vivi a minha infância um pouco
antes do Paulo Afonso, no final dos anos 40, indo até o princípio
dos 50, e nesse período ainda não tinha chegado a moda os
carrinhos de rolimãs. Nossa diversão maior era o futebol, que
era praticado na Rua Itabaiana sobre as calçadas. Pegar
peixinhos coloridos no pequeno poço, no final da Engenheiro
Richard, já no sopé do morro, também fazia parte do nosso
dia-a-dia.
Creio ter curtido intensamente
a minha infância naquele cantinho abençoado por Deus. Tinha o
privilégio de acordar, ir até a varanda do meu quarto e ver o
Pico do Papagaio, respirando ar puro.
As duas linhas de ônibus eram:
109 (Grajaú-Ipanema) e 110 (Grajaú-Cosme Velho), ambas saindo
da Pracinha Edmundo Rego.Peguei o tempo em que o lixo doméstico
era recolhido por carroças puxadas por uma parelha de burros, e
o leite era vendido pela "vaca leiteira", uma espécie
de caminhão pipa, que estacionava na confluência de Julio
Furtado com Professor Valadares, indo os moradores, com suas
garrafas, comprar o leite. O peixe, sempre fresquinho, era
vendido pelo "Seu" Germano, e os legumes e verduras se
comprava na feira das sextas, na Julio Furtado.
Sempre, depois do almoço,
passava uma senhora, a qual nunca soube o seu nome, com um
chapelão de palha, apregoando seu produto - pudim royal e
folhas de gelatina.
Tive duas coleções: Balas
Ruth e chapinhas do Guará.
Tipo excêntrico era o
"Camarão", que fazia ponto na pracinha Malvino Reis,
sempre fumando o seu charuto. Ao ouvir seu apelido, gritado
pelos estudantes que passavam no bonde, sempre colocava em prática
o repertório de palavrões e gestos, indicando a famosa
"banana".
O pãozinho era comprado na
Caprichosa, padaria que ainda existe, hoje com mais variedade de
ofertas. Do seu lado a Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro,onde fiz primeira comunhão e me crismei. Conheci o o
padre Alberto. Embaixo do prédio, no lado oposto da padaria, tínhamos:
bem na esquina o armazém, a farmácia, o barbeiro, onde eu
cortava cabelo com o Chico, e a quitanda. O comércio local
limitava-se a isso.
Nas noites de muito calor meu
pai nos levava até a cascatinha, uma pequena queda d'água no
alto da Rua Borda do Mato. O "tabu" era uma casa
enorme, localizada na Rua Visconde Santa Isabel, bem em frente a
Av. Julio Furtado. Ali funcionava um hospício. Nenhum de nós
se aventurava a chegar perto, pois diziam que "aquela doença
pegava".
A Escola Duque de Caxias, onde
fiz o primário, vizinha do Corpo de Bombeiros, ainda existe,
mas sem aquele charme com o qual convivi. De todas as
professoras a que até hoje reverencio é "Dona" Heda
dos Santos Costa, u'a mestra que nunca utilizou ameaças de punições
para qualquer aluno. Aprendíamos com vontade. Queríamos sempre
demonstrar que éramos inteligentes; que os deveres de casa,
para nós, eram como se fossem um troféu a ser conquistado na
aula seguinte.
Para encerrar, presto uma
homenagem a geração dos meus irmãos, Milton e Nelson (já
falecidos), que participavam da "Turma do Sereno", a
qual era composta por outros tantos rapazes na faixa dos 20 anos
de idade. Eles editavam um jornalzinho, rodado na base do mimeógrafo,
o "Orvalho" - que apontava de forma irreverente as
mazelas , fatos relevantes acontecidos e críticas a moradores
que se indispunham contra eles. Lembro uma ocasião que deu um
problema, o qual não me recordo muito bem, mas teve implicações
políticas, pois vivíamos em plena ditadura Vargas, e o Orvalho
tinha publicado um trecho de "Jeca Tatu", obra do
imortal Monteiro Lobato, proibida então pelo regime.
Não me considero um
saudosista. O que tenho guardado dentro de mim, é um sentimento
de paixão, ternura pela casa em que morei , pelo bairro em que
nasci, e que até hoje amo sem limites.
Quanto à minha casa, no
quintal de terra, além do galinheiro, tinha a casinha do meu
cachorro Duque e dispunha de três mangueiras, uma goiabeira, um
pé de abiu, um mamoeiro e a minha preferida - a jaboticabeira.
Lembrando Vinicius de Moraes,
que teve a mesma alegria que eu, com a sua jaboticabeira, cito o
fecho do seu poema "Olha Aqui Mister Buster " -
"olha aqui Mister Buster , olhe bem aqui : Você não sabe
o que é de ter uma jaboticabeira no quintal. Você não sabe o
que é torcer pelo Botafogo!".
Dessa forma, homenageando o
nosso poeta, revelei a minha paixão também pelo Botafogo, mas
acrescento que dentro do meu coração também continua o amor e
orgulho pelo Grajaú Tênis Clube, o primeiro campeão carioca
de futebol de salão, com muito orgulho!
Tenho a certeza de que a
alegria do "Poeta Maior" seria maior se, como e,
tivesse nascido e morado no nosso adorado Grajaú.
Um forte abraço, meus amigos.
Foi lá que tive a minha
primeira namorada, Cecília, coleguinha de sala, por quem, com
apenas 10 anos, me apaixonei. Imaginem !!!!!!
Tenho a certeza de que as
nossas declarações de amor pelo bairro serão eternas.
Tal como os sonhos, não morrem
jamais.
Em tempo - agradeço a chance de ter "matado as
saudades" através das fotos de Cíntia Segadas, tiradas
com muita sensibilidade.
Antonio Carlos Lopes
Jornalista e publicitário.
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